Praia

Tenho somente dezessete anos e acho que sou a pessoa mais sortuda que conheço. Vivo em uma casa "boa" com pais adotivos que tiveram a bondade de me acolher em sua casa após o trágico acidente de barco de meus pais, mas não foi nem por isso que perdi meu amor a água. Estou saindo do mar, os cabelos castanhos grudam em meu rosto, os jogo para trás, meu corpo está completamente encharcado. Há uma pessoa em meus braços, uma garota, um cadáver. É, infelizmente não me deixaram pular na água rápido o bastante para salva-la. Os pais dela estão correndo até mim, deveriam estar agradecidos por eu ter salvo pelo menos seu corpo, poderá ter um enterro digno. Deixo-a na beira da areia ignorando suas vozes, seus soluções, suas lamentações, minha atenção está voltada a outra coisa. A mais ou menos vinte metros de um bote próximo as rochas há uma pequena movimentação na água, uma barbatana, ela some. Sorrio de canto. - Parece que seus amiguinhos bombeiros tem um amigo. - Aponto, eles ignoram. Um grito, silêncio, há uma enorme mancha de sangue na água, os pedaços que sobraram dos dois bombeiros flutuam, me levanto. - Bem feito. - Me retiro dali.

O vento batia em meus cabelos, eu definitivamente estava um bocado longe de casa, julgando que eu tinha nascido no distrito quatro antes de ir morar toda uma vida como moradora do distrito cinco, eu não considerava aquele distrito meu lar, talvez eu não sentisse que tivesse um lar de verdade, não era como estar sozinho ou perdido, simplesmente não se encaixava naquela sociedade que cultuava a Capital, não que eu fosse uma revolucionária, talvez eu fosse, só estava realmente tentando finalmente acha um local onde eu me sentia em casa, não estranhamente deslocada como a toda uma vida, talvez. O vento novamente bateu em meu rosto, não pediu nem por favor para embriagar-me com o cheiro de maré, como se tivesse mesmo um cheiro, não era inverno, mas fazia um típico frio de madrugada no distrito quatro, o bastante para que eu trajasse uma blusa de frio fina, na fajuta tentativa de me esquentar um pouco, no distrito cinco fazia menos frio, bem diferente do distrito que eu agora me encontrava, um vento que fazia um barulho estranho quase como um assovio.

Meus pés fundavam um pouco na areia fofa da praia, a maré ia e vinha e se aproximava mais de mim a cada vez que vinha em mim direção, parei de repente, primeiramente olhei para trás, pude ver minhas pegadas, não conseguia mais ver onde elas havia começado, mas era um pouco longe, ficar parada no mesmo lugar por muito tempo me fazia afundar na areia, então tratei de caminhar rapidamente, não tão rápido, enquanto a brisa voltava a bater em meu rosto, e agraciar-me com aquele aroma, talvez fosse bom, ou não, eu tinha algumas dúvidas sobre isso, então apenas continuei minha caminhada pela praia deserta, mordendo o lábio inferior por algum motivo estranho.

Senti uma estranha vontade de parar e me sentar, olhei pra esquerda e vi alguns troncos jogados ali, respirei fundo me encaminhando a eles e me assentei, minhas costas doíam um pouco, o vento tentava bagunçar meus lisos cabelos claros, mas sem conseguir nada, meu estômago doía também, não sabia se era por fome, ou alguma dor estranha ou coisa pior. Eu ainda tinha saudades, não só de Mike, até de provocar Julia, foi estranho estar longe deles todos esses anos, não tão pior do que saber que Michael tinha desaparecido, foi a mesma sensação que teria a perder qualquer um de minha família, que em um passado já fora mais populosa. Apoiei-me na madeira em que me sentara pra mudar de posição mas acabei por cortar a mão, um pouco, algo superficial, mas pude ver o sangue vermelho escorrer por minha mão. - Droga! - Exclamei, limpei a mão na calça, minha cabeça latejava um pouco, talvez fosse raiva, fome e saudade se misturando, não costumava decair-me a tal ponto, tinham algo errado, só precisava descobrir o que era.